sexta-feira, 6 de julho de 2012

Respiração


escrevo-te gesto simples

como o fluir de um rio

como o voo de um pássaro

como um trabalhador suando

não a qualquer coisa que te eleve acima do mundo

não aos delírios que te enformam deus

não à castidade das palavras

que as palavras são o homem

e nenhum homem é só alvura

por isso o grafite nas nuvens

por isso esta metade homem esta metade pássaro

eu te amo assim

e só assim te bebo e te cuspo

te sujo e me embebedo

a planície branca aos que gostam de pureza

eu te escrevo sangue te ouço eco te bebo brisa

te lanço vômito te xingo e amo

só assim te penetro

só assim te sinto

não à automasturbação solitária

quero o roçar de dois corpos

e a lágrima o sêmen a mordida

o beijo o amargor

o suor nas epidermes unívocas

o fim

como quem bebe num rio

como quem rega uma planta

como macho e fêmea

como vida e morte

não como um redemoinho seco

ou um peixe insípido

escrevo-te sol pulso e movimento

não como cinzenta lápide fria coberta de musgo

ou queixume cotidiano

escrevo-te como quem vive

e como quem morre

como húmus

como um sonho que invade a manhã

como um sol que penetra na noite

como um mau presságio

como nuvens carregadas

como as águas que descem pela vertente

escrevo-te vastidão colhida

digerida

compartilhada

como um coração doado

como uma lágrima

como qualquer coisa que fale:

um suspiro um ganido um sinal

não o silêncio instransponível

não a tinta sempre branca e seca

escrevo-te corpo e voo

som e pausa

predador e presa

escrevo-te ciclo do homem

escrevo-te permuta

e nenhuma renúncia a mim mesmo

nenhuma recusa ao mundo

escrevo-te coito gravidez e parto

escrevo-te desprezo solidão e aborto

e tu – cinzel no meu corpo

e eu – cinzel no teu corpo

num fluxo infindável

como o sol para a vida

como pinturas rupestres

como um espelho difuso

como quem se vê por outros olhos

como se desenhar

e assim

caminhar dentro de mim

e me dissolver nas coisas

e mastigar o mundo

e contemplar tal pintura.

Ed Gonçalves

*Este é o seu pseudônimo. Nome, eu ainda não sei. Tirou o primeiro lugar do Concurso Alt Fest! FliPorto 2011, em Olinda/PE. O descobri pela internet e desde então leio e releio este poema com fôlego, fogo, medo, desejo, ternura, secura, excitação, liberdade e mais...

[postado por Ediane Oliveira]

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